PALAVRA DO PÁROCO: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13, 34)

Este mandamento nos foi dado por Jesus na Última Ceia logo após a saída de Judas do cenáculo para entregá-lo aos homens da Lei. Mas Jesus não ficou nas palavras somente; em poucas horas, nos mostraria a radicalidade desse amor incondicional ao dar a própria vida para a salvação da humanidade inteira.

Ao enfatizar que se trata de um “novo mandamento”, Cristo propõe uma ruptura na forma de viver as relações humanas, pois, no judaísmo, havia a concepção de um amor de reciprocidade, do “toma lá, dá cá”, isto é, amar os amigos e odiar os inimigos. Essa reciprocidade, no entanto, continua atual, afinal, as normas que regem os relacionamentos em nosso mundo hoje não diferem muito do “olho por olho, dente por dente” daquela época.

Vivemos uma realidade calcada no individualismo, na indiferença total com o outro, no hedonismo e no consumismo. O que conta é o sucesso, pouco ou nada importando as regras para um convívio de solidariedade e cuidado com o próximo na busca dos objetivos. Poderíamos ilustrar o momento atual com a célebre frase do dramaturgo romano Plauto, mas que foi popularizada por Thomas Hobbes: “O homem é o lobo do homem”. Hobbes entende que os humanos são inimigos entre si, como se a tendência natural do indivíduo fosse agir contra o outro.

Nossas crianças são orientadas desde cedo a perseguir os primeiros lugares para, mais tarde, entrar numa faculdade de ponta, obter os melhores empregos. Parece não haver problema em uma criança tentar ser a melhor, porém há que sacrifício de si própria e do outro? Que valores acompanham sua escalada em uma sociedade que prima tanto pelo sucesso material em detrimento da ética, da generosidade, da hombridade, da solidariedade, do temor a Deus?

Viver o mandamento do amor contraria essa noção de ideal de vida como sucesso. Jesus retoma que o ideal de vida consiste em amar-nos uns aos outros como Ele nos amou, e este será o sinal de que somos seus discípulos, pois todos nos reconhecerão se nos amarmos assim, como o foi nas primeiras comunidades: “A multidão era um só coração e uma só alma. Ninguém dizia que eram suas as coisas que possuíam” (At 4, 32-35).

Mas como amar-nos uns aos outros como Ele nos amou? Essa pergunta me faz vir à cabeça meus primeiros anos de seminário, em 1980. A pedido do padre Fúlvio Francesco Giuliano, eu havia recebido autorização do prelado de Macapá para vir para São Paulo estudar Filosofia. Esse santo padre queria que eu conhecesse o Movimento Comunhão e Libertação, fundado em 1954 por Monsenhor Luigi Giussani. Aqui cheguei cheio de ideais, numa época em que eu vivia com grande intensidade a experiência eclesial. Naquele mesmo ano, me tornei presidente do centro acadêmico e participava de várias manifestações políticas. Eu acreditava que a transformação política era capaz de mudar o mundo.

Até que tive o primeiro encontro com Padre Fúlvio naquele mesmo ano e ele jogou por terra minhas certezas sobre igualdade social ao me explicar o sentido das palavras “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei. Nisto conhecerão que sois os meus discípulos.” (Jo 13, 34-35). Começou citando o Salmo 126 (H. 127): “Se o Senhor não edificar a cidade, em vão trabalham os que a constroem.” De nada adianta construir a casa se ela não tiver como fundamento o próprio Cristo.

O segundo argumento do Padre Fúlvio era que Deus nos amou primeiro, razão pela qual as coisas só mudariam se amássemos as pessoas por causa de Cristo Jesus. A contragosto, ouvi dele que a verdadeira revolução não nasceria das minhas ideias, mas de Cristo. Só a comunhão com Ele permitiria a verdadeira transformação. O encontro com este sábio homem me deixou profundamente decepcionado, com a sensação de que eu estava diante de um sacerdote que era contra a sociedade justa que eu estava decidido a construir a partir das minhas ideias.

Até hoje reflito sobre a razoabilidade do que escutei de Padre Fúlvio há 45 anos… Tudo se resume em construir a casa com o Senhor Jesus no centro, e isso só é possível porque Ele nos amou primeiro. A transformação é, simplesmente, o reflexo de viver todas as coisas segundo este amor.

Alguns dias atrás vieram me comunicar que um jovem estava morrendo na calçada próximo da igreja e que se recusava a ir a um posto de saúde para atendimento. Madre Teresa de Calcutá nos conta que muitos mendigos por ela assistidos diziam ter vivido uma vida inteira como animais e estavam sendo tratados como anjos no final da vida. Fui até a calçada e propus ao jovem que aceitasse ir para a Casa Guadalupe, mantida pela Missão Belém. Se continuasse na rua, certamente morreria. Ele aceitou e eu tenho certeza de estar sendo amado como Jesus nos amou pelas pessoas que estão cuidando dele – muitas das quais também foram um dia moradoras de rua.

Vive-se na Missão Belém o que se vivia nas primeiras comunidades cristãs: são um só corpo e uma só alma em Cristo Jesus. Essa obra nasce exatamente deste construir a casa sobre a rocha, que é Cristo, que nos amou primeiro, como muito bem me lembrou o meu querido sacerdote Padre Fúlvio Giuliano, já falecido.

Padre Cássio Carvalho – junho 2025.

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