PALAVRA DO PÁROCO “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.” (Mt 22, 21).

As controvérsias dos poderes religiosos da época de Jesus nos ajudam a entender a importância e o papel do cristianismo no mundo. Na tentativa de armar uma cilada para condenar Jesus à morte, participaram um grupo religioso, os fariseus, e um grupo político, os partidários de Herodes. A questão era se devia pagar ou não imposto a César, o imperador Romano.  Qualquer resposta de Jesus o incriminaria, seja diante das autoridades políticas da época, seja diante dos que esperavam a libertação do povo de Israel do domínio romano.

Se fosse reconhecido como lícito pagar imposto a César, estaria tomando o partido dos romanos em detrimento dos judeus. Do contrário, estaria subvertendo e contrariando o poder de César, e seria tido como um subversivo, um revolucionário, digno de condenação à morte.

Mas Jesus conseguiu tomar uma posição inimaginável, e que iria determinar a posição do cristianismo ao longo de toda a História: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.” (Mt 22, 21).

O dilema sobre até onde vai o poder mundano e o alcance e merecido lugar do poder Divino sempre esteve presente na história, determinando o papel do cristianismo na sociedade e a forma de viver dos cristãos.

Essa mesma questão reaparece, por exemplo, no julgamento da nossa querida mártir Santa Generosa e seus onze companheiros, decapitados no ano de 180, conforme escrito em “As atas dos mártires de Scili”.

O então inquisidor, o Procônsul Saturnino, depois de algumas ponderações, disse: “Nós também somos religiosos, e simples é a nossa religião; juramos pelo gênio de nosso senhor imperador e imploramos por sua saúde, o que você também deve fazer”.

Esperanto, um dos dozes cristãos envolvidos no processo, respondeu-lhe: “Não reconheço o império deste mundo, mas sou um servo daquele Deus a quem nenhum homem jamais viu, nem pode ver com estes olhos. Não cometi nenhum furto, e quando compro alguma coisa, pago o imposto, porque conheço meu Senhor e Imperador dos reis de todas as nações.” Donata, complementou: “Honra a César como a César, mas temor somente a Deus.” Véstia reiterou: “Eu sou uma cristã”; e Segunda afirmou: “O que eu sou, isso eu quero ser.”

Nesse diálogo, onde cada um reafirma a sua identidade cristã, o Procônsul Saturnino faz a última tentativa para tentar mudar a posição dos que estavam sendo julgados: “Vocês não querem um tempo para refletir?”

A tentativa era clara: queria que repensassem na razoabilidade de sua proposta, pois bastava-lhes oferecer sacrifícios ao imperador e tudo estaria resolvido. Esperanto estava resoluto: “Numa coisa tão justa não há razão para mudar de opinião.” Saturnino ainda tentou persuadi-lo: “Atrase trinta dias e pense novamente”. E ouviu como resposta: “Eu sou cristão.” E com ele todos concordaram.

Diante de tanta firmeza dos cristãos, o Procônsul Saturnino pronunciou a sentença: “Esperanto, Nartzalo, Citino, Donata, Véstia, Secunda e os outros que confessaram professar a religião cristã, pois apesar de ter-lhes sido oferecida a faculdade de retornar ao romano costume, obstinadamente perseverando, eles são condenados a serem mortos pela espada.” Esperanto disse: “Damos graças a Deus.” Nartzalo comemorou: “Hoje somos mártires no Céu. Graças a Deus!”

A questão da perseguição e do martírio é a mesma que enfrentamos em todos os tempos, apenas com a diferença de que hoje, pelo menos no Brasil, não somos condenados à morte física por nossas convicções religiosas, mas colocados à parte, ridicularizados, considerados alienados e fora do mundo.

Hoje o novo imperador não quer mais o culto a si como Deus, mas, com astúcia, opera para que toda a lógica humana seja guiada pelo interesse material, pelo sucesso econômico, pelo consumo, pela acumulação, pelo possuir. Devemos estar atentos ao que estamos dando mais valor em nossa vida: ao poder terreno e suas promessas ou ao poder de Deus?

Vivemos num mundo quase ateu, pois, para a maioria até mesmo dos cristãos, Deus parece estar relegado a segundo plano em suas realidades. O cristianismo foi reduzido a uma devoção pessoal, e muitos, voltados aos próprios e mundanos interesses, acham que Deus não deve participar, muito menos influenciar na vida social – e negam a Ele o que é absolutamente dele!

Os testemunhos dos nossos primeiros mártires nos ensinam uma radicalidade na vida. Temos de ter em mente que somos como todos os cidadãos deste mundo, porém pertencemos a um outro mundo. Estamos provisoriamente nesta terra, que é um pequeno ensaio do que será na nossa pátria celeste. Não nos descuidemos de dar ao mundo terreno e ao mundo espiritual o valor que lhe é devido, pois a resposta de Jesus contempla a obediência à autoridade civil, desde que legítima e em consonância com as leis de Deus.

Reflitamos sobre o ideal de vida (terreno ou divino) que perseguimos, pois Jesus nos adverte: “de que adianta o homem ganhar o mundo inteiro se vier a perder a sua alma?”.

Pe. Cássio Carvalho – novembro/2023

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