PALAVRA DO PÁROCO: Quem é o verdadeiro protagonista da História?

Nossa Igreja vive tempos desafiadores. Mais do que nunca, tanto nós, sacerdotes, quanto os leigos, precisamos mais do que estar atentos aos movimentos que se apresentam em nossa sociedade e em nossa Igreja, alimentarmos a fé em Deus.

Cheguei a São Paulo no início dos anos 1980, enviado pelo Bispo da Diocese de Macapá, Dom José Maritano, para estudar filosofia na faculdade Associada do Ipiranga (FAI). Ao mesmo tempo, dois sacerdotes, Padre Fúlvio Giuliano e Padre Fernando, que trabalhavam na Diocese de Macapá, aproveitaram a minha vinda e queriam que eu conhecesse de perto a experiência do Movimento Católico Comunhão e Libertação, do qual participavam.

O Brasil vivia o auge da influência da teologia da libertação e, apesar de estudar filosofia, eu sentia já a influência dessa teologia no ambiente acadêmico filosófico. Ao mesmo tempo, o país vivia o final da influência dos militares no comando da nação e a volta das eleições diretas. Ou seja, o início dos meus estudos para me tornar sacerdote coincidiu com um período de nossa história extremamente politizado, e no qual me adaptei facilmente, tanto que, tão logo cheguei, passei a dirigir o centro acadêmico da faculdade de filosofia.

Vivendo intensamente o engajamento político, cheguei a achar que o motor da história era a questão política, e que poderíamos transformar o mundo simplesmente com o ideal humanitário. Minha sorte é que um dos questionamentos do Movimento era justamente essa visão da política como o lugar único da transformação da sociedade.

Assim, quando Padre Fúlvio veio de Macapá a São Paulo para um encontro com o Padre Luigi Giussani, fundador do Movimento Comunhão e Libertação na Itália, é que pude começar a perceber o equívoco dessa minha primeira percepção. Aquele encontro seria a oportunidade de eu contar ao Padre Fúlvio minhas primeiras impressões sobre o que estava acontecendo em São Paulo e que eu achava maravilhosamente revolucionário. Nem bem começou a conversa, Padre Fúlvio enumerou uma série de coisas que considerava fundamentais para a experiência de fé – e que botava abaixo toda a minha teoria. A primeira é que Deus nos amou primeiro, portanto, o protagonista da História é Ele; disse, ainda, que as coisas que almejamos só acontecem se a nossa ação for, antes de tudo, um reflexo do amor dele. Como exemplo, citou o salmo 126: “Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a constroem”.

Lembro-me muito bem do tamanho da minha decepção com a posição daquele santo sacerdote. Não apreciei muito ser contrariado em minha certeza de que o protagonista da História era o ser humano consciente. No entender do padre Fúlvio, para ser protagonista, o ser humano deveria necessariamente refletir o amor de Deus na sua ação no mundo. Enquanto eu insistia no poder da consciência política, ele defendia a fé em Deus como fundamental para mudar o curso da História.

A questão sobre quem é o protagonista da História, o homem ou Deus, segue como parte das minhas reflexões até hoje. É possível um mundo novo apenas com uma consciência nova do homem ou a fé é indispensável? A cada momento, vejo os sinais como respostas – naquele momento, padre Fúlvio foi o sinal do início do meu despertar. Mas houve outros importantes insights.

Certa vez, realizei um batismo de um adulto que estava com uma doença grave. Estava na iminência da morte e pedia o batismo. Naquele momento tão crucial, me confessou sua dúvida: bastava a ação boa do homem para ganhar o Céu? Bastaria ter dedicado toda a vida à mulher, às filhas? Bastaria ter trabalhado honestamente e ainda ter participado da Igreja? Isso bastaria para a sua salvação? Na inquietação – e certamente tocado pelo Espírito Santo naquele momento tão decisivo – resolveu pedir o batismo, sem dúvida necessário à sua salvação.

Em um encontro dos movimentos eclesiais com o Papa, em Roma, em 30 de maio de 1998, Padre Giussani me deu mais um testemunho: “O verdadeiro protagonista da História é o mendicante: Cristo mendicante do coração do homem e o coração do homem mendicante de Cristo”.

Por isso, sempre fico muito feliz ao ver o que acontece em Santa Generosa. Aqui somos o que Padre Giussani disse: mendicantes. Todos os dias, de segunda a segunda, são celebradas muitas missas; temos um horário amplo de confissões, e importantes momentos de adoração e bênção do Santíssimo; realizamos visita aos doentes nos hospitais; temos a catequese de adultos e de crianças; vários são os grupos de movimentos e pastorais. Em meio às nossas inquietações, em meio aos desafios por que passam a sociedade e a nossa Igreja, em meio a todo o rebuliço para nos afastar dos ensinamentos do Evangelho, precisamos implorar a companhia de Deus, pedir-Lhe que aumente a nossa fé e que continuemos mendicantes de suas graças, de sua bênção.

Deus nos amou primeiro, portanto, é Ele o protagonista, o verdadeiro construtor da História. Nossa capacidade de construir o que quer que seja se potencializa pela fé e ao nos tornamos reflexo do seu amor e instrumentos de suas mãos.

Pe. Cássio Carvalho – setembro/2023

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