PALAVRA DO PÁROCO: Você conhece o poder da Misericórdia Divina?

A experiência dos discípulos com Jesus era tão fascinante que Pedro, por iniciativa própria, aproximou-se de Jesus e perguntou: “Senhor, quantas vezes devo perdoar se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?” (Mt 18, 21).

Na verdade, Pedro fez a pergunta já antecipando a resposta que julgava a mais acertada. O que respondeu, no entanto, contrariava a lógica da lei judaica, segundo a qual a ofensa se pagava na mesma moeda. Repare nesse ponto: como ele podia dizer “até sete vezes” se, como judeu, ele sabia que era olho por olho, dente por dente?

Ele disse porque não apenas presenciava o dia a dia de Jesus, que caminhava com pobres e pecadores, como também ele, Pedro, fizera uma profunda experiência de sentir-se abraçado por Jesus na sua pobre humanidade. Quem não se lembra da passagem do Evangelho, aquela da pesca milagrosa, em que ele pediu a Jesus que se afastasse dele pois era um pecador? Jesus não apenas não se afastou dele como o manteve o mais próximo que pôde de seu apostolado, tornando-o mais tarde alicerce de sua Igreja.

À pergunta feita e respondida pelo próprio Pedro, Jesus surpreende a todos ao colocar outra medida: “Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete.” Ou seja, perdoar, perdoar infinitamente! Como isso é possível? A resposta é a mesma que o anjo Gabriel deu a Maria quando ela quis saber como se realizaria a sua concepção se não conhecia homem algum: “Para Deus tudo é possível!”. Só a misericórdia divina torna possível coisas que para o homem parecem impossíveis, como perdoar sem medida ao seu irmão.

Deus é a pura misericórdia. Essa é a razão pela qual Jesus insiste tanto para que sejamos misericordiosos e saibamos perdoar sem medida: se somos feitos à imagem e semelhança de Deus, não podemos ser tão diferentes d’Ele.

As guerras, as confusões, os atritos, sejam de que ordem for, revelam o quanto estamos distanciados dessa imagem divina e o quanto precisamos trabalhar o dom do perdão. Quando estive anos atrás na Terra Santa, fiquei admirado com o impacto do ódio e da guerra na vida das pessoas; observei uma impossibilidade total de convivência entre judeus e palestinos.

Agora, assistimos à guerra de Ucrânia x Rússia. Muitas são as tentativas da Igreja em promover a paz entre os dois povos. Recentemente, o Bispo Dom Felipo Santoro, membro do Movimento Comunhão e Libertação, esteve em Kiev e em Moscou, e encontrou as comunidades religiosas locais profundamente divididas, um sentimento que se nutre dessa guerra, desse ódio desmedido.

Certamente não temos o poder de pôr fim ao conflito, mas podemos criar uma cultura de paz a partir do lugar em que estamos, ou seja, em nosso meio, em casa, na comunidade, entre os vizinhos, na escola, no trabalho, em nosso convívio de todos os dias. A verdadeira cultura da paz nasce da nossa disposição de perdoar, de relevar. Qualquer que seja a medida da ofensa, o perdão, a caridade, a tolerância precisam ser incomensuráveis, precisam ter a medida de Deus: “até setenta vezes sete”, como respondeu Jesus.

Enche-me de satisfação ver o número crescente de fiéis a esperar a vez na fila da confissão na Paróquia Santa Generosa. Essa é uma prova importante de que reconhecemos as nossas faltas e o quanto somos pródigos da reconciliação com o Pai. Imploramos a compaixão divina para nossas transgressões, mas muitas vezes não nos compadecemos do outro. Em que nível está nossa compaixão no dia a dia, como reagimos às pequenas, médias, grandes contrariedades que familiares, conhecidos, desconhecidos e amigos nos causam a todo momento? Explodimos por qualquer coisa, guardamos mágoas?

Aprendamos a exercitar a capacidade de acolher, de abraçar o outro tal como somos acolhidos e abraçados no Sacramento da Confissão pelo próprio Cristo. Não nos esqueçamos de que as guerras, os grandes conflitos (a maioria, senão todos) são gerados a partir de pequenas atitudes de intolerância, inclemência, inflexibilidade. No final do discurso que fez ao Movimento Comunhão e Libertação, em 15 de outubro de 2022, o Papa Francisco declarou: “Convido-vos a acompanhar-me na profecia pela paz – Cristo, Senhor da paz! O mundo, cada vez mais violento e guerreiro, assusta-me! Digo-o verdadeiramente: assusta-me!”

Sejamos capazes de responder ao apelo do Papa Francisco, e isso passa necessariamente pelo aprofundamento de nosso relacionamento diário com Cristo misericordioso e com os irmãos. Se de um lado o ódio tem o poder de macular, de destruir nossa semelhança com Deus, a misericórdia tem um poder inimaginável: pode nos ajudar a vencer o ódio, a intolerância, a incapacidade de perdoar; pode nos deixar mais “divinos”, bem à semelhança de Deus Pai.

Pe. Cássio Carvalho – outubro/2023

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